Ademir Morata*
“A ‘X’ é uma empresa de tecnologia que oferece as mais modernas soluções para aumentar a eficiência do mercado. Ela é focada no cliente e orientada a resultados.”
Presente em nove entre dez conteúdos que se propõem a descrever rapidamente a oferta de serviços e produtos de uma organização, infelizmente o texto acima não explica nada disso e reflete o curioso fenômeno que leva a redação dos chamados “Quem Somos” a não dizerem de fato o que elas verdadeiramente são.
Uma observação um pouco mais atenta no parágrafo citado revela que ele fala de uma ‘empresa de tecnologia’ que hoje em dia pode ser quase todas as existentes. Ela oferece ‘soluções modernas’, coisa queé tão subjetiva quanto dizer que azul é mais bonito que vermelho. Sem especificar qual é a tal modernidade, o risco que se corre é o de deixar para o leitor decidir sobre a veracidade da informação. Quando isso acontece, o que é moderno para um, pode ser a coisa mais atrasada que o outro já viu.
Finalmente, aparece a cereja do bolo. Sim o tal do ‘focada no cliente e orientada a resultados’. O que significa isso? Será que alguém que cria uma empresa pode pensar que ela pode existir sem ser focada no cliente e orientada ao resultado? É necessário mesmo dizer isso?
Os “Quem Somos” padecem ainda de problemas mais graves como a falta de conexão com a realidade. Este aspecto se manifesta, por exemplo, quando uma empresa recém criada, que não é nem mesmo a maior startup do segmento, se auto intitula ‘líder global’ de determinado setor, ou a ‘pioneira e única fornecedora de determinada tecnologia’ quando já existem outras dezenas de companhias trabalhando com o tema há muitos anos.
Os “Quem Somos” também são campos férteis para a proliferação de narrativas de grandezas filosóficas. Este caso é identificado por expressões como: “não somos apenas uma empresa de XXXX, nós criamos sonhos e mudamos o mundo ….”.
Considerando que os sites das empresas na internet são hoje em dia até mais importantes do que suas fachadas no mundo físico, porque é através deles que elas se apresentam para o mundo, e que os “Quem Somos” são responsáveis por imprimir a primeira impressão, modismos como os exemplos apresentados acima definitivamente não contribuem para a conquista de simpatizantes da marca e possíveis novos clientes.
Geralmente, os mesmos “Quem Somos” também estão presentes em press releases enviados pelas empresas à imprensa, fazendo com que essa primeira impressão indefinida e exagerada também seja passada aos formadores de opinião.
O que torna a escolha por este tipo de “Quem Somos” uma moda em plena vigência da chamada Era dos Dados é um enigma ainda mais intrigante.
Afinal, se estamos na Era da Informação, o mundo corporativo não deveria se esforçar para oferecer a máxima precisão sobre o modelo de negócios e a verdadeira história das instituições?
Porque não dizer exatamente, e de maneira clara e objetiva, qual é a tecnologia que a empresa desenvolve, por que ela é moderna, que tipo de melhoria de eficiência ela produz e para quais mercados?
Se todos defendemos a transparência, por que tentar passar uma imagem de que somos uma organização maior do que efetivamente somos?
Poucos discordam da famosa frase de Mahatma Gandhi, segundo a qual nós devemos ser a mudança que queremos ver no mundo.
Neste sentido, uma boa forma de começar essa transformação é sendo preciso e verdadeiro na definição sobre “Quem Somos”.
*Ademir Morata é jornalista